Entrevista 07 – 26/05/2015
26/05/2015 22h00 (GMT -3)
Médico Pediatra
A função principal do Pediatra é acompanhar a vida e a saúde da criança.
Meu nome é Hélio Krakauer, sou Pediatra, trabalho aqui em Santo André, já sou formado há 30 anos, sou formado pela Faculdade de Medicina do ABC e fiz residência médica no Hospital Humberto Primo em São Paulo.
[Escolha profissional]
O motivo para eu escolher a minha profissão começou com o meu pai, meu pai fez Medicina e fez Pediatria também. Eu sou o filho mais velho, nós somos em quatro irmãos, são três Médicos e uma Fisioterapeuta. E, no começo, eu escolhi Medicina e sempre com aquele medo “será que eu estou fazendo Medicina porque eu porque eu gosto, porque eu escolhi ou eu estou fazendo Medicina porque o meu pai é Médico e um Médico de bastante sucesso?”.
Bom, eu terminei Medicina, gostando de Medicina e aí eu falei, “Ah, e agora o que que eu vou fazer? Vou fazer Pediatria.” Dúvida: “estou fazendo Pediatria porque eu gosto ou porque meu pai me incentivou e eu ouvi muitas pessoas falando que ‘o teu pai salvou a minha vida!’?, ‘Teu pai foi muito importante na minha vida’?” E, durante os primeiros 5 anos de Medicina, já fazendo Pediatria, isso ainda me atormentou bastante, porque muitas pessoas vinham me procurar e falavam assim: “Dr. Eu vim procurar o senhor porque filho de peixe, porque o seu pai…” E você fica assim, poxa, estão me procurando por causa do meu pai. Lógico, que depois de 30 anos a coisa foi andando e você foi percebendo que as pessoas foram te procurando, as pessoas falavam: “eu estou te procurando porque tal amiga minha veio, tal pessoa veio”. Então, a história, bem resumida, é essa aí.
[Função]
A função principal do Pediatra é acompanhar a vida de uma criança. A vida e a saúde dessa criança. Então, a gente olha a criança como um todo. Desde o nascimento ou até antes, hoje em dia, até antes do nascimento que a gente atende até as mulheres gestantes que vêm perguntar sobre o que fazer logo que o bebê nasce e até a idade quase adulta. Tem pacientes acima de 30 anos que continuam vindo aqui.
[Pacientes adultos no Pediatra]
O médico, depois de formado, ele é capacitado para atender tudo. Eu tenho o meu CRM, que ele me libera para eu fazer tudo. Eu é quem tenho que ter a consciência de se eu sei ou se eu não sei fazer aquilo. Eu sou capacitado para atender adultos? Veja bem, eu fiz residência em Pediatria e depois também fiz hebiatria, que é o atendimento do adolescente. E, a criança, vai até os 20 anos. O adolescente que vai até os 20 anos. Depois dos 20 eu mando embora, mas eles voltam. A gente dá pirulito para as crianças, mas eles voltam. Então eles voltar porque a gente faz um vínculo de confiança. A gente fica sempre como Pediatra que ele fica, não é como um amigo, mas é como um técnico, uma pessoa que entende do assunto e que tem um certo vínculo de confiança, como uma “mola mestre”. Por exemplo, a menina vem aqui, “doutor, eu estou com uma dor”. Olha, você vai passar no Ginecologista. Ela vai e volta. E aí você fala: “o que ele fez está bom”, “tá certo”, “eu confio”… Não, vamos pegar uma segunda opinião. É um técnico, é um médico, dando uma nova opinião e de confiança, de amizade.
[Atividades diárias]
Eu acordo às 6h da manhã, passo visita nos meus pacientes internados, tanto em UTI, berçário ou enfermaria, depois eu faço o ambulatório. Saio do ambulatório no horário do almoço, consigo almoçar em casa, graças a Deus, vou para o consultório, faço consultório, são dois consultórios e eu fico nesses consultórios, sempre chego até as 10h da noite, a média de 60, 70 crianças por dia. Depois disso, eu volto para o hospital quando tem criança internada. 10h da noite eu faço visita novamente. Nisso eu ainda faço função gerencial: eu gerencio a parte financeira de uma das minhas clínicas e eu faço parte do Conselho Diretivo do Hospital e Maternidade Dr. Cristóvão da Gama, daqui de Santo André.
[Formação]
A faculdade de Medicina, em geral, são seis anos. Você faz 6 anos de faculdade e ao final do sexto ano você presta uma nova prova para residência. Residência é a especialização: eu saio da Medicina e faço só Pediatria. Pediatria são, geralmente, 2 anos. Você pode fazer de 2 a 3 anos e depois você pode fazer uma sub especialização, aí eu já não fiz, então você pode fazer puma sub especialização mais 2, 3, 4 anos, quanto você quiser de Cardiologia Pediátrica, Nefrologia Pediátrica, você pode fazer UTI Pediátrica, você pode fazer outras coisas que são sub especializações.
Eu acho que a faculdade é importante, muito importante, mas quem vai fazer o médico é o “médico rato”. O que é o “Médico rato”? É aquele médico que ele está no hospital, por exemplo, em formação. Acabou de dar 6 horas e ele não vai embora para casa, ele fica no hospital, ele vai conhecer um pouco mais aprofundadamente aquele paciente. “Seu João”, ele tem um nome. Como é que foi a sua vida? O que que aconteceu? Você faz o diagnóstico porque você conheceu o Seu João e não o paciente do apartamento 21. Isso você faz num horário que você não tem. Você não faz isso num horário normal, porque no horário normal você tem muito trabalho. Então, a formação do profissional acho que ela se faz até no pós aula. Não adianta só naquela hora, você tem que discutir uma coisa extra. Essa coisa extra que pode fazer a diferença do Pediatra.
[Experiência necessária]
A experiência que você precisa ter para se sentir confiante, porque mesmo que você faça Medicina e depois uma residência e na residência você só faz Pediatria, pegam na tua mão e vão te ensinar a cuidar de criança. Mas, existem coisas que não tem como te ensinar. São coisas que você vai pegar somente no dia a dia. Eu acredito que um médico razoável demora pelo menos 5 anos para se sentir um pouco confortável para se sentar desse lado da mesa.
Vamos a seguinte, vamos inverter o nosso lado, você está de médico e eu estou aí no teu lugar e chega uma mãe chorando por que o narizinho está escorrendo, ele entupiu o nariz e ele não dormiu a noite, ele chorou a noite inteira. É só isso, ele não tem nada. Agora, você está desse lado, você vai ter que medicar essa criança. Olha o grau de responsabilidade para fazer uma coisa boba. Você podia, veja bem, se você não tem responsabilidade, você é o vizinho dela, “Ah, pinga qualquer coisa aí que melhora.” Mas, espera aí… E se piorar? Você se responsabiliza por aquilo? Então, o lado de cá é muita responsabilidade para fazer, ás vezes, até uma coisa muito simples. E para você ter essa confiança você demora tempo. Então, não é só o estudo, tem o estudo, tem aquela pessoa que pode estar a teu lado e te dar um toque quando você tiver alguma dúvida, alguma coisa mais grave. Tudo isso faz a diferença.
[Profissional bem-sucedido]
Por exemplo, eu acho que explicar para o paciente o quê ele tem, é uma diferença. Porque, na verdade, não é que eu aprendi, eu escutei as mães falarem para mim. As mães sentavam ai do lado e falavam assim: “Doutor, eu não aguento mais passar em outros médicos que não olham para minha cara. Eles não olham para a minha cara. Eles abaixam a cabeça, mexem no computador e não olham. Eles não puseram a mão no meu filho!” São reclamações da mãe. Então, a mãe reclamou, eu escutei, e falei: “vou fazer o que as mães estão pedindo!” E eu acho que elas estão certas mesmo. Não acho que elas estão erradas. Eu acho que é o mínimo que o médico tem que fazer é olhar na cara da pessoa, dar atenção e pôr a mão na criança. O mínimo. Explicar o que a criança tem, não precisa ser nenhum grande detalhista e você não perde muito tempo, você vai perder 5 minutos pra isso, E, outros diferenciais, por exemplo, que você viu aqui que já aconteceu que é o telefone. Hoje, a velocidade de informação. Então, as mães me encontram pela internet, no “Face”, no WhatsApp, por telefone, por email, onde ela quiser, ela me encontra. “Doutor, meu filho está escorrendo o nariz”, ela vai mandar por WhatsApp e eu vou responder quando eu puder. E, esse puder tem um tempo. 1, 2, 3, 4 vezes ao dia, quando eu puder. E, eu vejo que isso faz a diferença. A mãe se sente confortada. Ela não se aproveita de mim, eu acho que ela sabe que isso pode incomodar, então ela tenta não incomodar. Mas, isso dá para ela uma segurança. Poxa, eu vou viajar para os Estados Unidos, meu filho tem uma diarreia nos Estados Unidos, ela consegue se comunicar comigo e isso é uma salvação. Você resolve o problema mesmo. Eu acho que isso é uma diferença.
[Inspiração profissional]
O meu pai, ele eu vou dizer assim: quem conheceu, conheceu. Quem não conheceu, não conhece mais. Ele foi uma estrutura única. Ele foi um tipo único. Parece brincadeira falando isso, gente, mas quem conheceu, sabe que não existe imitação. Do que o meu pai foi, e eu sofri muito porque muitas pessoas queriam que eu fosse igual o meu pai e, se eu tentasse ser igual a ele, ia ser uma porcaria, porque eu não sou igual à ele. Ele tinha uma calma absurda. Então, vamos contar alguns fatos porque fica legal. Aqui, nesse consultório, é que ele ficava e ele faleceu a 3 anos. Tem gente que vem aqui ate hoje, abre a porta e começa a chorar, só de olhar a cadeira. Ela abre a porta, olha aqui para dentro e começa a chorar de ver a cadeira e não ver o meu pai sentado. Ele tinha uma tranquilidade absurda, a ponto de, por exemplo, ter paciente que tocava moda de viola, ele obrigava o cara trazer a viola dele na consulta. Ele falava “quando você vier, você traz a viola.” E o cara ficava aqui 1 hora tocando moda de viola e ele escutando. Lá fora, paciente esperando. Ele trabalhava das 10 da manhã até 2, 3, 4, 5 horas da manhã. Ele ficava aqui no consultório até 3 horas da manhã. É fácil, você vê pacientes que falava: “eu ficava esperando teu pai me atender às 3 hora da manhã”. Ele atendia, era um tempo em que, eu nem sei, na época, não tinha pronto socorro. Então, ele atendia na minha casa. Cansei de ver criança que vomitava. Minha mãe não gostava, mas criança que atendia dentro da minha casa 1 hora da manhã, 2 da manhã, normal. E, atender na minha casa era normal. Ele foi Pediatra de pessoas famosas, por exemplo, a mais famosa de todas foi a Angélica. Ele pegou a Angélica no nascimento, no parto e cuidou dela até os 15, 16, 17, 18 anos. Então, toda essa história dele, ele foi, realmente, um médico bastante consagrado aqui na nossa região do ABC. E, a gente escutou muita história. Então, eu não vou ter nenhum livro que me estimulasse a fazer Medicina. Foi o meu pai.
[Perspectiva da profissão]
De todas as carreiras, a que menos dá dinheiro é a clínica médica. É a Pediatria e a clínica médica, porque nós não temos nenhum tipo de modo de ganhar dinheiro que não seja consulta. Com o passar do tempo, a consulta, foi sendo desvalorizada. A consulta médica, ela compra, ela paga muito pouco. Porquê paga muito pouco? Porque, por exemplo, o Ortopedista ia lá e podia operar o pé; o Radiologista, ganhava no Raio-x; o Ortopedista, de novo, no gesso. Os outros médicos, ninguém estava preocupado em brigar pelo valor da consulta. E, o Pediatra, como Clínico Geral, só tinha consultinha. O que que acabou acontecendo? Cada vez mais o Pediatra foi ganhando menos e tinha que trabalhar mais. O que que aconteceu? Na formação, ninguém queria mais fazer Pediatria. Chegou o momento em que uns 5, 6, 7 anos atrás, não tinha mais Pediatra no mercado. Era muito raro. Então, você tinha que estar fechando pronto socorro pelo fato de não ter Pediatra para atender. E aí, a bomba explodiu. Aí começaram, os preços subiram lá para estratosfera. Hoje, a consulta do Pediatra de convênio é maior do que a consulta normal de qualquer outra especialidade. E, agora está voltando, estão voltando a se formar novos Pediatras. Está sendo estimulado a formação de novos Pediatras. Porém, esses novos Pediatras que estão saindo agora é como eu falei, eles vão ter agora 5 á 10 anos de experiência para começar a aceitar. A se sentir confortável na cadeira de Pediatra.
[Remuneração]
Isso é muito variado, porque depende aonde ele trabalha. Se ele trabalha no SUS é uma coisa, se ele só trabalha em clínica particular. Agora, se ele só trabalha na clínica particular, essa clínica precisa estar cheia. A questão financeira é complicada de falar. Vai do 0 ao infinito.
[O profissional na sociedade]
O pediatra, eu acho que ele tem uma importância fundamental. É muito claro quando você pega uma criança que você acompanha do nascimento até os 20, 30 anos e aquela criança que aparece do nada para você no consultório, e fala “doutor, meu filho nunca teve Pediatra”, e aí você vê toda a desestrutura. Não tenho dúvida da importância da Pediatria, acho que se você perguntar para as mães, elas vão poder te dar uma ideia melhor do grau de importância do Pediatra.
[Indicação de leitura – Confira em: www.goodreads.com/grupoitos ]
Então, agora estou lendo esses 3 livros. Uma autobiografia, do Antonio Emírio de Moraes, a História da Dona Domitila que foi a amante de Dom Pedro. Aqui começou a corrupção, então se alguém quiser ler sobre corrupção no Brasil, é esse livro aqui. Esse aqui é um, ele não é parente meu, se você for ver, o cara aqui se chama John Krakauer, ele escreveu alguns livros, ele tem o meu sobrenome, mas não é parente meu. E esse aqui é de um amigo meu, que escreveu um livro sobre transição de empresas familiares para empresas mesmo. Então, esses são livros que eu estou lendo agora.
Tem um, dois livros que são bastante interessantes na Pediatria: um chama “A História da Humanidade contada pelos vírus, bactérias e outros protozoários”. É um livro escrito por um infectologista brasileiro,que ele conta, por exemplo, que já se esperava à muitos e muitos anos, a epidemia de H1N1. E, outro livro bacana, para as mães, que se chama “Chiclete não gruda no Intestino e outros Mitos da Medicina”. Então, aquelas coisa da mãe: “Ah, doutor, comeu uma balinha, pode tomar banho?”, “pode, claro”. Então, nesse livro ele fala esses mitos da Medicina. São dois livros interessantes de Medicina.
[Mensagem Final]
A mensagem que eu vou dar para quem está fazendo Pediatria é assim: primeiro você começa, porque você não vai saber se você gosta da Pediatria no primeiro minuto do primeiro tempo. Vai demorar um pouquinho para você entender o que você gosta. Apesar de que Pediatria não é você gostar de criança. Você tem que gostar da Pediatria. E a Pediatria ela não é só criança, tem a mãe, tem a avó, tem o pai, então você precisa ter paciência para aguentar a mãe, você precisa ter Psicologia para conversar com o pai, você precisa … isso tudo não é só gostar. Chegar, o que eu falo assim, você tem que ser um médico bom, não um médico bonzinho. As vezes, você fica alisando a cabeça da criança e isso não resolve o problema. Você tem que ser muito sério, tem que dar chaqualhão na mãe, tem que balançar. Então, a dica que eu dou é: primeiro, persista, veja se gosta. Porque, Medicina e, principalmente, pediatria, é só para quem gosta. Você tem que acordar de manhã, às 6 horas da manhã e falar “graças a Deus estou vivo e quero trabalhar. Estou indo trabalhar na maior boa vontade.” Porque, se você acorda de manhã e fala assim: “Ai, meu Deus, lá vai eu de novo ver quinhentas crianças chorando, espirrando…”, você já vai com esse desânimo, pode esquecer que você não vai ser feliz. E, na Pediatria se você não for feliz, você não transmite esse bom clima para a família e aí não dá nada certo.Você, realmente, eu acho que tem que acordar de manhã com boa vontade e gostar do que você faz.