O que faz um Professor de História? – com Fábio Dias

Entrevista 03 – 28/04/2015

28/04/2015 11h00 (GMT -3)

 

Professor de História
Leciona a disciplina para o Ensino Médio e para o Ensino Fundamental

Oi. Meu nome é Fábio. Eu sou de Santo André/SP. Sou professor de História. Leciono há 13 anos, dentro da Rede Privada. Mas já tive uma experiência anterior dentro de escola pública. Eu lecionei por 3 anos em escola Pública. E hoje, estou dentro da Rede Privada de Ensino.

[Escolha profissional]
Então, eu não tinha muito a intenção de ser Professor, não. Eu fiz colégio técnico, me formei como Técnico Mecânico. E eu comecei a perceber que eu não estava feliz no que eu estava fazendo. Eu sempre me dei bem com números, e tudo mais. Mas, não fiquei feliz.

E aí, eu acabei me lembrando de quando estava no Ensino Fundamental. Eu me lembrei de um Professor de História, que eu me divertia muito na aula, e eu comecei a lembrar que na infância, eu sempre gostava de ficar vendo coisas sobre História. Eu era uma daquelas crianças esquisitas, que ficavam assistindo documentário sobre Índio do Xingu, na Cultura, ao invés de assistir desenho.

E eu falei: “‘pô’, eu acho que isso vai ser muito mais legal.” E, me dediquei a isso.

[Função]
O que faz um Professor? A gente trabalha com formação de ser humano. Isso aí talvez seja uma das coisas mais importantes, de qual vai ser a função do Professor. Porque, aquela pessoa que está ali na sua frente, é uma pessoa que, está crua, está vazia, e que você está levando para ela um mundo inteiro novo. Qualquer deslize, que você faz, você pode acabar bagunçando a vida dessa pessoa, para sempre. Você tem que sempre pensar no que vai ser aquela pessoa no futuro. Eu sei que: “Ah, meu aluno vai ser Dentista. Não vai fazer a menor diferença para ele saber diferenciar um Awilum de um Mushkenum, na Mesopotâmia. Essa pessoa tem que perceber que aquilo é importante para ela. “Tá”, eu não vou usar como prática profissional na minha vida, mas isso vai me fazer ser um ser humano melhor, que vai me ajudar a entender o mundo a sua volta. Então, o Professor tem que ter muito isso na cabeça, de que, “cara”, ele não vai usar isso que você está passando da forma como você usa. Mas, aquilo vai servir para a vida dele. E isso é importante. Você tem que ter essa responsabilidade, como profissional.

[Atividades diárias]
Como é que funciona o trabalho do Professor, então? A gente tem um projeto que dura o ano inteiro, com seus demais colegas, que vão ter uma série de ações para com o aluno. Então você tem que fazer o quê? Primeiro: você tem que fazer o planejamento de aula; Você tem que fazer o planejamento de avaliação. É o primeiro passo.

Dentro disso, você vai ter que montar a sua estrutura para como lecionar aquele determinado conteúdo, aquela determinada expectativa, para levar o aluno a esse ponto.

E aí, vem toda a questão burocrática. Você tem diário para controlar, então você tem que saber: a frequência do aluno, você tem que ter o controle de quantas atividades avaliativas você tem dentro de uma etapa, de quais são os objetivos que vão ser cobrados naquilo, Você tem que ter o controle de: quanto tempo eu demoro para conseguir desenvolver um determinado conhecimento, e como eu vou avaliar isso. Sempre lembrando que, eu vou avaliar e não acabou na prova. Eu vou ter que receber a resposta da prova e perceber onde o aluno teve problema, e corrigir antes de passar para o próximo. Então você tem uma meta e tem uma metodologia para cumprir, que ela é burocrática e tem que dar certo.

[Formação]
Para ser Professor de História, você tem alguns caminhos para fazer isso: eu acabei seguindo dois. Porque eu tenho duas formações: eu sou formado em Ciências Sociais, que me habilita lecionar História e Geografia, para Ensino Fundamental. E Sociologia, para Ensino Médio. E agora, para lecionar História para Fundamental e Médio, você tem que ter uma formação em História. E é uma formação dupla: é uma formação em Bacharelado e Licenciatura. Porque, quando você se forma em Bacharel, você é um pesquisador. Quando você se Licencia, você é Professor. O Professor que é Licenciado, para poder dar aulas e poder Lecionar, e ele é Pesquisador (Bacharel), ele tem uma compreensão maior, do que a gente chama de estrutura histórica. Porque, o Licenciado, ele tem o conhecimento para Lecionar História. Como tem todo o sistema de Ensino-Aprendizagem, como é o processo de conhecimento. Agora, como se vai ao documento, como se busca as informações do dado, que não é simplesmente um livro. Como você trabalha História em cima de uma foto? Em cima de uma pintura? Em cima de uma fala de alguém? São outras ferramentas que te dão uma amplitude maior.

Geralmente, faculdade só de Bacharelado, ou só de Licenciatura, são faculdades de 3 anos. Faculdades que unem as duas coisas, são faculdades de 4 anos. Então, você vai estudar para ser Professor de História, precisa da Licenciatura. Mas eu recomendo: faça um Bacharelado também. Mesmo que dure mais tempo.

[Experiência necessária]
Tem uma coisa que é fundamental para a formação do Professor, para chegar à sala de aula, que muita gente não dá muito crédito, que é o Estágio. Se você conseguir perceber como é que aquele Professor, que já tem uma experiência, que já viu como funciona, como é que ele lida, por exemplo, com uma coisa banal, como disciplina, manter a sala em ordem, como é que ele chama a atenção para si, como é que ele mostra que aquilo é interessante: Ah, a História é interessante para mim, óbvio, por isso eu fui estudar História. Mas e para aquele “cara” que o sonho dele é virar Arquiteto? Como é que eu vou mostrar para ele que aquilo que eu estou falando é legal? É importante para ele? E isso eu vejo no Professor atuando. Então quando você vai lá e faz o Estágio, isso é fundamental, tem que fazer. No mínimo de uns 2 meses para você conseguir acompanhar todo esse negócio de avaliação, montagem de aula, olhar plano, é importante.

[Profissional bem-sucedido]
Para o “cara” ser um bom Professor de História, primeiro: tem que ter paixão. Você não pode lecionar História porque foi o que sobrou na sua vida. Você tem que gostar, aquilo tem que estar no coração. Contar a história de uma aluna minha, que me marcou “pra caramba”… Uma vez ela chegou para mim: “Sabe, Professor? Eu não gosto de História, mas eu vejo que você está se divertindo tanto quando está dando aula, que eu paro para prestar atenção e, realmente, aquilo faz diferença.” Nossa, eu ganhei a minha vida, como profissional, com aquela fala daquela menina de 12 anos. Ela percebeu que, profissionalmente, não vai atuar do mesmo jeito em todo mundo, mas faz diferença quando tem paixão, dá gosto.

[Inspiração profissional]
A minha inspiração é, isso que me desperta a paixão, vem por um grupo que me ajudou a descobrir o porquê que eu gosto de História. Esse livro aqui é o: “Os Reis Taumaturgos”, do Marc Bloch, que foi o “cara” que me abriu para o mundo da História dos Annales, que é um grupo que surgiu na França, lá na década de 40, que começou lá com o Marc Bloch, veio o Lucien Febvre, Fernand Braudel, como Jacques Le Goff, Jean Claude Schmitt. Então foi uma galera, que começou a buscar História, não naquele “negocinho” chato, assim de quem matou quem, como, onde e por quê? Que vai entrar num “negócio”, que a gente chama de: A História das Mentalidades. Você entender o porquê que a pessoa pensava daquele jeito.

O Marc Bloch tem outro livro, que se chama “Introdução à História” que ele fala assim: “O pecado mortal do Historiador se chama Anacronismo”, que é você pensar fora do tempo, que é você falar assim: “vamos olhar para o romano e vamos pensar na escravidão do romano com os olhos de hoje e falar: “os romanos eram um bando de desgraçado que escravizavam os outros” Não, espera aí, vamos pensar como Romano”? Ele tinha todas as justificativas do mundo que faziam pensar desse jeito. Então ele não era um monstro cruel, ele estava dentro do seu tempo. E quem vai trazer isso, é essa turminha do Marc Bloch e do pessoal que forma a Escola dos Annales.

[Análise da trajetória profissional]
Nossa, se eu fosse falar comigo, quando comecei… “Seja mais atencioso com aquela pessoa que está do outro lado.” Eu olho hoje para mim, e para o que eu era, quando comecei a Lecionar, e eu vejo que eu tenho muito mais cuidado, hoje. Porque quando eu comecei a trabalhar, eu ia lá para dar a minha aula. Não é só isso. Aquela pessoa que, está ali, do outro lado, tem tantas coisas dentro dela, ainda mais que eu trabalho com adolescente. “Ô fasezinha” complicada.”

Hoje de manhã a minha mãe brigou comigo porque eu não quis tomar o meu leite inteiro.” Acabou o dia daquela pessoa, “‘Tá’, é uma coisa boba”. É boba para mim que sou um homem adulto, para aquele garoto, aquela menina, de 13, 14 anos, o fato de a mãe ter brigado com ele pode ser o fim do mundo. Tudo aquilo faz um efeito tão grande na cabeça daquela pessoa, que um momento que você chega, e você fala: “Porque você está assim hoje?”. Você entregou um mundo novo para aquela pessoa.

Você vê a carência daquela pessoa que você consegue se lembrar do passado, você consegue olhar para si, e falar: “Nossa, eu tinha esses mesmos temores; eu tinha essas mesmas falhas, essa mesma dificuldade; só que eu passei por isso.“.

Então, a gente tem que estar atentos, que é uma pessoa jovem, e muito jovem. Então, você tem que ter um olhar legal para essa pessoa.

[Perspectiva da profissão]
Para os próximos 10, 15 anos, enfim. Não dá para ter uma noção do que vai acontecer plenamente. Sempre vai ter aula de História, mas, assim: pode aumentar número de aulas, pode diminuir o número de aulas…

Quando você entra na área uma coisa fundamental que tem para você sempre conseguir ter aulas, ter espaço para você lecionar, é você ser um bom profissional sempre. Porque tem uma coisa dentro do Magistério que pouca gente fala, mas quem está dentro começa a perceber. Como é que você arruma emprego dentro da escola? Alguém vai te indicar. Alguém te conhece alguém sabe que você não vai ficar pisando na bola, porque trabalha em equipe. Estou dando aula de História, e eu vou ter que colaborar o Professor de Matemática, o Professor de Português, o Professor de Educação Física.

Se você entrou no Magistério, e resolver dar uma de vagabundo, ir levando “na flauta”, meu amigo, ninguém vai te indicar. Ou você entra para Lecionar de verdade, ou você se perdeu.

[Remuneração]
Remuneração. Geralmente, Professor de História, consegue uma carga completa. O que a gente chama de carga completa? Por volta de 40 aulas por semana. Tem uma regulamentação por Lei, de quanto que você pode lecionar por semana, e gira em torno disso aí, entre umas trinta e poucas e quarenta aulas por semana.

Na rede pública, hoje, um Professor tira aí, em média, por volta de uns 2 mil, 2,5 mil reais. Vale a pena para quem está na escola pública, o sujeito que está há muito tempo, que aí todos os bônus que vêm em cima daquilo, o “cara” vai se aposentar com um salário legal.

No setor particular, a situação é diferente. Você consegue já ter um salário, de uns 4 mil reais tranquilo. Mas você sempre vai encontrar escolas que vão pagar a mais, escolas que vão pagar menos.

[Indicação de leitura – Confira em: www.goodreads.com/grupoitos ]
Então, de indicação de livro, vou mostrar esse que eu já falei, “Os Reis Taumaturgos”. É do Marc Bloch. Essa edição que eu tenho é da Companhia das Letras. E fala uma historinha muito interessante aqui: vai falar de um momento lá no século XIII, entre os Reis da França em algum momento entre os Reis da Inglaterra, que existia uma crença que o Rei tinha um dom mágico, ele curava escrófulas. O que é escrófula? É um bulbo, um inchaço preto que aparecia no pescoço na axila, ou na virilha da pessoa. Que confundia muito com Peste Negra. Mas era uma simples infecção, que muitas vezes curava em semanas. E existia um ritual que as pessoas iam até o Rei e o Rei tocava na escrófula, e passava um tempo, estava salvo. A escrófula sumia porque o próprio corpo curava, e o que atribuía para o Rei, um poder mágico.

Você já deve ter ouvido aquele negócio de Direito Divino dos Reis? Sabe: o Rei é Rei porque Deus quis assim? Pois é.

[Mensagem Final]
Mensagem para quem quer começar… Eu diria: “você quer? vai, ‘cara’! Vai, mas se joga mesmo! Porque, pouco importa gente que vai aparecer em volta de você: “Você vai morrer de fome”!”; “Professor não ganha nada!”. Ignora esses “caras”, “tá”? Se você for fazer alguma  coisa, que você não gosta, porque vai dar dinheiro, você não vai ganhar dinheiro. Porque você vai ser um profissional “mequetrefe”. Você vai estar fazendo uma coisa que você odeia.

Se você gosta, se você acha que História é interessante, se você gosta de lidar com gente, se você gosta de gente jovem, que está em formação, Vai! Você vai se divertir “pra caramba”! Coisa que eu costumo falar com quem vem falar comigo sobre ser Professor. “Ah, a ‘molecada’ não enche o saco?”; “a ‘molecada’ não é chata? Não fica te pentelhando?”. Essa é a parte legal. A parte chata é a parte burocrática, de ter que ficar fazendo relatório, preparando documento. Não! Dar aula é muito, mas muito legal mesmo! Se você gosta de falar com gente, se você gosta de trocar ideias, porque, o que você aprende com aluno, chega um aluno e te faz uma pergunta: “eu nunca pensei nisso! Eu não sei te responder! Porque, ‘cara’, eu nunca me fiz essa pergunta”.

E você descobre coisa nova. É ímpar. Então, se você gosta, se joga nisso aí que é legal.

 

[Divulgação]
Então… Quem quiser conhecer mais sobre história e ver como é que funciona o trabalho, eu tenho o meu canal chama: Prancheta do Suetônio. O pessoal aqui do Itos vai botar um link em algum canto aqui. A gente dá um jeito de entrar em contato. E, vai lá! Vamos discutir um pouco sobre história. Eu trabalho de uma forma bem mais livre; eu não falo em forma sequencial. Então, você pode viajar nos vídeos e ver o que você acha interessante. E vai lá!

Se inscreve no Canal, curte os vídeos ou não curte. Pode xingar também. Não tem problema. Assim, o Canal fica melhor. Valeu.

 

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